Na nossa revista têm surgido ultimamente reflexões e notícias sobre a cultura do cuidar ou do cuidado e sobre a iniciativa de jovens Dare to Care (“Ousar Cuidar”). A cultura do cuidado é o centro da mensagem do Papa para o Dia Mundial da Paz de 2021. 

Não é alheia a este foco na cultura do cuidado a experiência que se tem vivido por todo o mundo na sequência da pandemia da Covid-19. Essa experiência tem revelado a importância do cuidado para com os doentes atingidos por essa doença e para com as pessoas que mais riscos correm de a contrair de modo fatal, como os idosos. Tem sido uma ocasião de redescobrir o valor de todas as profissões ligadas a esse cuidado 

Nesta mensagem, o Papa Francisco aponta uma “bússola” para um “rumo comum” do processo de globalização, uma “bússola” inspirada na cultura do cuidado e que assenta em quatro princípios basilares da doutrina social da Igreja: a promoção da dignidade de toda a pessoa humana, a solidariedade com os pobres e indefesos, a solicitude pelo bem comum e a salvaguarda da criação (n. 6). 

A dignidade da pessoa (conceito que surgiu e amadureceu com o cristianismo) leva a considerá-la sempre fim em si mesma e nunca um mero instrumento avaliado em função da sua utilidade. Está aqui o fundamento dos direitos humanos. A pessoa exige sempre a relação, e não o individualismo; isso implica deveres e responsabilidades, como a de acolher e socorrer os pobres, os doentes, os marginalizados, «o nosso próximo, vizinho ou distante no espaço e no tempo». 

Cada aspeto da vida social, política e económica encontra a sua realização, quando se coloca ao serviço do bem comum, isto é (na definição da constituição Gaudium et Spes, do concílio Vaticano II), do «conjunto das condições da vida social que permitem, tanto aos grupos como a cada membro, alcançar mais plena e facilmente a sua perfeição». Por isso, as nossas ações devem ter sempre em conta os seus efeitos sobre toda a família humana, ponderando as suas consequências para o momento presente e para as gerações futuras. Tem-no revelado a pandemia que nos atinge: nenhum Estado nacional isolado pode assegurar o bem comum da sua população. 

A solidariedade exprime o amor pelo outro de maneira concreta, não como um sentimento vago, mas como a determinação firme e perseverante de se empenhar pelo bem comum. A solidariedade ajuda-nos a ver o outro – a outra pessoa ou o outro povo ou nação – mas «como nosso próximo, companheiro de viagem, chamado a participar, como nós, no banquete da vida, para o qual todos somos igual- mente convidados por Deus». 

O cuidado estende-se às pessoas e também à salvaguarda da criação e da Terra como nossa casa comum. Estas duas formas de cuidado não podem desligar-se. 

Algumas propostas concretas que decorrem destes princípios são reafirmadas pelo Papa nesta mensagem: como a de que as vacinas contra a Covid-19 estejam ao alcance dos mais pobres, ou a de que se destinem verbas atualmente destinadas a armamento a um fundo mundial para eliminar a fome e contribuir para o desenvolvi- mento dos países mais pobres. 

Em conclusão: «A cultura do cuidado, enquanto compromisso comum, solidário e participativo para proteger e promover a dignidade e o bem de todos, enquanto disposição a interessar-se, a prestar atenção, disposição à compaixão, à reconciliação e à cura, ao respeito mútuo e ao acolhimento recíproco, constitui uma via privilegia- da para a construção da paz» (n. 9). 

> Artigo publicado na Revista Cidade Nova de janeiro de 2021

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