Desacelerar e encontrar formas de descansar o corpo e a mente são atitudes essenciais, apesar de raras, em tempos de produtividade e de vida agitada

 

Passar horas vendo aquela série preferida no Netflix, dormir até tarde, fazer um esporte, cuidar de um jardim, frequentar aulas de dança, visitar um parque, ler um livro: o modo de descansar varia de pessoa para pessoa, mas a necessidade do descanso é sempre essencial para uma vida saudável, pois recupera as energias físicas e psicológicas gastas durante o trabalho. Contudo, nem sempre encontramos um horário na agenda para repor as energias desprendidas ao longo de dias, meses ou do ano inteiro.

Sibelle Moreira Pereira, 29, é engenheira mecânica de uma grande empresa de tecnologia em Manaus. A rotina de trabalho e o convívio com diferentes tipos de colegas são duas fontes de estresse. A manauara busca dois caminhos para o descanso: cotidianamente faz corridas e em suas férias, viaja para outros países ou cidades. Seu passaporte coleciona o carimbo de 30 países. “Tenho um mapa no meu quarto em que estão marcados todos os lugares para onde já fui, que é para eu me inspirar todo dia!”, conta Sibelle, que já planeja suas próximas férias: ela fará voluntariado em um orfanato com crianças soropositivas na Índia.

Ao ser questionada se não retorna cansada de suas andanças pelo mundo, a jovem explica, com entusiasmo, que já chega em casa querendo viajar novamente. Mas por suas experiências, ela afirma: “Tento aproveitar o máximo possível, ficando fora (do hotel) a maior parte do tempo. Porém deixo os dois últimos dias para relaxar totalmente. Chego completamente renovada!”. Outra dica da viajante é planejar os custos da viagem para, quando retornar, não lidar com o estresse das contas a vencer.

NO LIMITE

Uma doença com grande incidência no Brasil é a Síndrome de Burnout, caracterizada por um estado de esgotamento físico e mental, cuja causa está intimamente ligada à vida profissional. De acordo com a International Stress Management Association no Brasil (Isma-BR), 72% da população economicamente ativa no país tem níveis de estresse elevado. Desse total, 32% desenvolveram Burnout.

Confira o livro da Cidade Nova sobre a Síndrome de Burnout: O Cansaço dos Bons

Francisco Libanio, 29, já passou pela experiência e não quer repeti-la nunca mais. Há seis anos, foi diagnosticado com a doença enquanto vivia um período intenso de trabalho em um laboratório de próteses em Catanduva (SP). 

“Chegou um ponto em que eu estava trabalhando de 14 a 15 horas por dia. Fiquei nesse ritmo por cerca de quatro meses. Lá pelo quinto mês, comecei a ter insônia, acordava no meio da noite preocupado com o serviço, com os prazos de entrega, meu cabelo começou a cair bastante e perdi o movimento da mão direita naquele período.”

Com esse quadro, o dentista recebeu orientações médicas e um ultimato: ou ele buscava uma válvula de escape para desestressar ou acabaria tendo um infarto.

Libanio explica que encontrou atividades para relaxar à sua maneira: jogar videogame, ler, correr, passear em lugares novos e ver pessoas. Além disso, com o histórico de Burnout, de tempos em tempos, ele “tira o pé do acelerador” na clínica em que trabalha e procura alguma ação para amenizar o estresse semanal.

NO PASSO DA TARTARUGA

Michelle Prazeres e seu companheiro Eduardo Cordeiro moram em São Paulo. Após o nascimento do segundo filho, Michelle percebeu que sua vida pedia um ritmo distinto daquele da capital. Aos poucos, o casal começou a frequentar locais e conhecer pessoas que pregam uma vida pautada em um ritmo mais lento.

Depois de elaborar um guia com lugares em São Paulo para desacelerar e lançar um site sobre o assunto, ela criou a iniciativa Desacelera SP, que conta também com um grupo para pesquisa e produção de conhecimento sobre a desaceleração e uma escola de formação.

Dentre os valores que o Desacelera SP cultiva, estão as ideias de convivência afetiva, valorização das relações humanas com afeto, verdade, tempo, dedicação, franqueza; e conscientização temporal, isto é, a tomada das rédeas da própria relação com o tempo.

A jornalista, professora e pesquisadora da faculdade Cásper Libero explica que é mais comum, ainda que um pouco extremo, o movimento de sair da metrópole, ir para o litoral ou para o interior para escapar da vida corrida. “É menos comum as pessoas fazerem uma escolha de ficar aqui e fazer uma desaceleração, digamos, interna”, pondera.

O público que se aproxima da iniciativa, de acordo com o casal, se divide em dois grupos: pessoas com a intenção de diminuir a velocidade, pois estão vivendo um outro “tempo” na vida, com a chegada de filhos, por exemplo; ou o típico paulistano – que já chega pilhado e, em muitos casos, procura uma solução rápida ou de ‘gerenciamento de tempo’. Cordeiro diz provocar os interessados com a pergunta:

“‘Quais são realmente suas prioridades?’ Quando você chegar no que é essencial para você, estará mais presente, conectado consigo, com a possibilidade de uma conexão real com o outro e, de fato, olhar, entender e conviver”.

A fisioterapeuta e acupunturista Maria do Socorro Luna recebe, diariamente, pacientes com patologias relacionadas ao estresse. Ela explica que as doenças são desencadeadas devido à mobilização constante de hormônios e estressores na corrente sanguínea, mas aponta alternativas:

“Técnicas de relaxamento, dança, técnicas de respiração, artes marciais, acupuntura, simples momentos de pausas vão liberar na corrente sanguínea hormônios do prazer que irão trabalhar a nosso favor”.

Maria do Socorro conta que diversos estudos atestam os efeitos positivos das pausas diárias, não só nas férias. Reaprender a ficar em silêncio por alguns minutos, fazer respirações profundas e praticar exercícios para os sentidos, como ouvir com atenção, olhar com curiosidade, sentir como se fosse a primeira vez, são recomendações de instrutores de mindfullness – Atenção Plena (assunto foi tema da seção Psicologia, na edição anterior de Cidade Nova).

CONTEMPLAÇÃO

Aplicar técnicas de contemplação pode ser outra saída para quem quer um descanso do corpo, da mente e também da alma. Raquel Nery Alves de Oliveira, 24, é fotógrafa no Rio de Janeiro e encontra na oração, por meio da meditação e da arte sacra, um meio de repouso integral.

Há quatro anos, a jovem carioca conheceu a contemplação ao frequentar conventos e ao estreitar o contato com a natureza. Para Raquel­, contemplar é desconectar-se do mundo exterior, das preocupações, das atividades que tomam tempo.

“É contemplar o nosso interior e acessar a verdade que existe dentro de cada um de nós. É um processo até incômodo, mas a honestidade com nós mesmos dá uma grande paz”, explica Raquel.

A jovem ressalta que, com prática e paciência, a contemplação pode estar ligada a uma pia cheia de louça, a uma roupa para lavar, um trabalho para escrever, ainda que com certo esforço. “Nossas obrigações diárias fazem parte daquilo que somos, elas constroem também esse nosso ‘eu interior’ e o nosso ‘eu interior’ constrói essas coisas. Há um diálogo”, reflete.

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